CICLO DO AZEITE - LAGAR

05 novembro 2015

 
Era uma vez Um lugarzinho no meio do nada
Com sabor de chocolate E cheiro de terra molhada...”
 
Não sei se tem sabor a chocolate,
mas o meu lugarzinho no meio do nada
Tem, certamente sabor a azeite
E cheiro a terra molhada.
 
Desde sempre me lembro de participar nas atividades agrícolas da família, sempre gostei do cheiro da terra molhada, ainda hoje um dos meus preferidos, de sujar as mãos com a terra, de correr pelos campos, de apanhar banhos de chuva, de subir às árvores, de plantar, semear e colher, do ar puro e da sensação de liberdade que só a terra e o mar podem dar. Se os meus avós sempre viveram da agricultura, os meus pais tiveram outra profissão, mas isso nunca os impediu de plantar e colher alguns dos seus alimentos, e claro está as filhas eram “obrigadas” a ajudarem nas tarefas agrícolas. Na verdade nunca o senti como uma obrigação, mas como uma dádiva principalmente quando se tinha o prazer de ter à mesa os “nossos” produtos, que só por serem nossos pareciam ter outro sabor, e claro está outro cheiro. Hoje senti-mo agradecida pela partilha de saberes, pelos conhecimentos transmitidos pelos meus avós e pais, e das memórias que hoje tenho. Dizem que devemos mudar as folhas mas nunca perder as nossas raízes, as minhas são profundas e fortes e levam-me a um lugarzinho no meio do nada (mas onde tudo acontece) com cheiro a terra molhada. As recordações são muitas, mas se tivesse que eleger a tarefa do campo que mais gosto, escolheria a vindima e a apanha da azeitona, agora reavivadas com os ciclos do vinho e do azeite desenvolvidos pelo RFEA. Para falar verdade lembro-me mais da vindima do que propriamente da apanha da azeitona, talvez pelo facto da primeira ser em tempo de férias onde a disponibilidade era maior e a segunda em época escolar. Da azeitona, lembro-me do lagar de Alviobeira a funcionar ali mesmo junto à paragem do autocarro, do cheiro intenso que de lá saía, da movimentação, do bagaço que era atirado pela janela e ficava ali mesmo junto à rua e claro está dos piropos dos rapazes, sempre atentos à saída das raparigas do autocarro. Em casa lembro-me que à noite, durante algumas semanas, dava-se continuidade ao trabalho, escolhendo alguns ramos e fazendo a limpeza da azeitona. E claro está, lembro-me do paladar do azeite novo quase sempre provado nas couves cozidas com batatas, acompanhadas com umas azeitonas retalhadas, e com a água-pé ou o vinho novo. Mas se eu tenho estas memórias, alguns dos componentes do Rancho nunca tiveram este contacto com o campo. Como eles, muitas crianças hoje em dia, até mesmo as que vivem no campo, não conhecem nem participam na agricultura familiar, vai-se lá saber porquê. Conta-me e eu esqueço. Mostra-me e eu apenas me lembro. Envolve-me e eu compreendo (Confúcio). Assim hà dois anos não houve outra alternativa que envolver os componentes do Rancho nas lides agrícolas e deitámos mãos (neste caso) à terra e realizámos o ciclo do pão em 2013 seguindo-se em 2014 o ciclo do vinho e este ano, o ciclo do azeite, permitindo a alguns componentes terem o primeiro contacto com estas actividades. Debrucemo-nos na apanha da azeitona, feita pela primeira vez este ano. Dois sábados passados na Quinta da Runfeira, local onde fica o nosso olival foram os suficientes para ficarmos rendidos à apanha da azeitona. Foram dois dias de trabalho, mas também de saudável convívio, de encontro, de risos descontraídos e conversas não arquitectadas. O trabalho fez-se sem sacrifício e o resultado final, 1260 Kg de azeitona, encheu-nos de orgulho. No olival apanhámos a azeitona, na capoeira das avestruzes montámos o estaminé da limpeza da azeitona e debaixo do alpendre fizemos os nossos longos, fartos e deliciosos almoços. E se já sabíamos dos benefícios do azeite, ficámos a conhecer os da apanha da azeitona. Descobrirmos ser uma óptima terapia par a o stress e combate à depressão, não fosse o cenário único, a sequência do trabalho relaxante e as conversas verdadeiras sessões de psicologia. De forma a proteger os trajos optámos por fazer gravações e fotografias do processo antigo e depois já sem os trajos optámos por recorrer aos utensílios mais modernos, agora ao nosso dispor. Se a alegria nos acompanhou durante estes dias, intensificou-se no carregamento dos sacos e na ida para o lagar. Por fim o lagar, onde tudo se transforma, e nós estávamos ansiosos por este momento, e lá fomos em romaria para o Casal de Stª Iria (Chãos) dispostos a sair de lá apenas quando tivéssemos acompanhado todo o processo. Os lagares ao longo do tempo foram obrigados a modernizarem-se, não havendo na região nenhum lagar antigo em funcionamento. Optámos pelo lagar do Sr. Manel, no Casal de Stª Iria, nos Chãos, embora já modernizado, o mais aproximado do antigamente. Chegámos ao local com vontade de ver e aprender, e a comitiva quase que assustou os trabalhadores do lagar, habituados a visitas, mas não desta dimensão. E por lá andámos, vendo e fazendo perguntas, que nunca ficaram sem respostas, valendo a paciência dos funcionários e dos donos. Um agradecimento ao Mestre António, filho do Sr.º Manuel, que trabalha no lagar desde os seus sete anos, hoje já com 52 e que foi respondendo às questões colocadas, explicando-nos aos poucos todo o funcionamento do lagar. O cheiro a azeite novo invade as narinas e apetece molhar uma sopa de pão naquele néctar vindo da azeitona esmagada. E este aroma ganha contornos ainda mais apetitosos quando se entra num lagar clássico, onde todo o trabalho ainda é feito manualmente. O vapor de água, intensifica os cheiros, que parecem querer entrar pela cabeça e por lá permanecem mesmo depois de abandonarmos o local. O processo consiste na chegada da azeitona e a respectiva pesagem, seguindo-se a moagem que consiste na trituração dos frutos, sem a retirada prévia dos caroços, até formar uma massa oleosa, cuja consistência é controlada adicionando-se água. Antigamente a moagem, era efectuada através de um moinho de pedra (granito), com geometria cónica (que ainda se pode encontrar no lagar mas que não se encontra em funcionamento). Este ao girar em cima de uma base de pedra, fazia a moagem das azeitonas, criando uma pasta, que é designada por massa de azeitona, actualmente a moagem efectua-se electricamente. Depois dois ou três homens vão colocando a massa já moída nos capachos, objecto em forma de disco plano e delgado, feito de fibras vegetais ou sintéticas, sobre o qual é distribuída a massa da azeitona, a fim de ser espremida na prensa. As seiras e os capachos são objectos importantes dos lagares sem os quais se tornaria difícil, se não impossível a prensagem da massa para a extracção do azeite nos lagares tradicionais. Tendo funções idênticas, as seiras e os capachos são, no entanto, completamente diferentes. O capacho que pode ser feito do mesmo material da seira, caracteriza-se por apresentar unicamente a forma de um disco plano e delgado, enquanto a seira que pode ser feita de esparto, juta ou ráfia e outras fibras vegetais, caracteriza-se fundamentalmente pela sua construção em forma de saca larga e circular, tendo na parte superior as abas e uma abertura chamada a boca da seira. Os carrinhos carregados com os capachos que contêm a pasta de azeitona, são colocados na prensa hidráulica. Aqui começa o processo de prensagem. Os capachos vão assim sendo comprimidos de modo a garantir a separação de uma mistura de água do azeite, nesta altura, ainda de cor negra. O produto que escorre da prensa inclui o azeite, e uma mistura de água e outros resíduos da azeitona, e vai para um “recipiente”, composto por duas partes uma mais larga e outra mais estreita. A parte inferior para onde vai a água e a parte superior onde fica o azeite, por ser mais leve. Com o tempo e por diferença de densidade, (o azeite é mais leve logo a água permanece no fundo e o azeite à superfície) o azeite destaca-se da água e é recolhido. A perícia do mestre lagareiro, neste caso do Sr. António, consiste em abrir uma torneira na parte inferior do pote de forma a mandar fora a agua e manter o azeite. Este trabalho exige muita perícia, mexendo a mistura com uma fina vara de madeira, (que no caso do Sr. António é feita de marmeleiro e tem cerca de 25 anos) para saber exactamente onde terminava a água e começa o azeite. Depois da prensa fica nos capachos o bagaço que é retirado dos mesmos e serve para alimentação dos porcos, para o lume ou usado como combustível para aquecer as caldeiras do Lagar do Azeite. (O bagaço é o subproduto obtido da extracção de azeite. Compreende a água de constituição da azeitona, a água de adição e lavagem e uma percentagem variável de produto sólido (epiderme, polpa e caroço de azeitona). Por fim o azeite é medido e colocado em recipientes para ser entregue ao cliente. Quando o azeite é entregue ao cliente é dado a conhecer o grau de acidez, que embora seja apenas um dos muitos parâmetros que devem caraterizar o azeite, continuar a ser entendidos erradamente por muitos como o único. A acidez é a percentagem de ácido oleico livre existente no azeite e ao contrário do que muitos dizem não está relacionada com o sabor. O nosso ciclo do Azeite terminará com a prova do mesmo, talvez numas batatas a murro com bacalhau assado, ou quem sabe numas simples couves com batatas e feijão seco, acompanhadas com umas azeitonas retalhadas. Será de certeza, na Quinta da Runfeira, onde também se encontra a nossa água-pé e vinho. Durante todo o Ciclo do Azeite, tirámos fotografias e efectuámos diversos vídeos, de forma a documentar todo o processo. É nossa intenção registar os momentos para posteriormente servirem como ferramentas de consulta e estudo. No inico de 2016, faremos uma exposição e apresentação de todo o ciclo. E assim, por cá, ao dar vida aos diversos ciclos, vamo-nos envolvendo cada um ao seu ritmo por esta terra, que tudo nos dá.

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