Depois da apresentação do Andaime, só agora encontro um tempo para escrever sobre este espetáculo apresentado pelo RFEA no passado dia 27 de maio no Cine Teatro Paraíso.
Desde o início do ano que estava agendado no nosso plano de atividades o ANDAIME, mas se quisermos ir à origem deste espetáculo temos que recuar até julho do ano passado, quando levámos o Pulsações no Entroncamento, não foi por acaso que a foto escolhida para o cartaz foi lá tirada.
Na altura a logística “obrigou-nos” a colocar a tocata e cantata em andaimes, surgindo ali a ideia de fazer um espetáculo utilizando uma estrutura de tamanho, material e utilização diferente das “nossas” habituais cadeiras.
Claro que o Andaime que nasceu nesse dia, estava longe do ANDAIME apresentado ao público, esse resultou de muitas horas de trabalho, já que a criatividade não aparece num estalar de dedos (às vezes é preciso “estalar-se” muitas outras coisas), de muitos longos e exigentes ensaios, da convivência com dores musculares, frustrações, dificuldades e cansaço.
Qualquer obra de arte, exige tempo, dor, paciência, amor, dedicação ao mesmo tempo que é esculpida, pintada, trabalhada…
Este Andaime se ao espetador pode parecer de fácil execução, exige minúcia, treino, dedicação, repetições várias do movimento e uma entrega total não só de corpo, mas principalmente de alma.
É exigente na linguagem, no pormenor, nos momentos de silêncio, que alguns dizem ser em demasia, mas os necessários para fazer luto… interiorizar a morte, a dor e a perda, tal como (deve) acontece na nossa própria vida.
Andaime fala da morte das tradições, usos e costumes dos nossos antepassados, e do estigma que o Folclore continua a ter. Vai-se lá saber porquê continua a ser olhado de lado, mal- tratado, apertado, esmagado...
Também a atividade rural parece desaparecer à velocidade com que morrem as gentes mais velhas que ainda cultivam a terra e a amam.
E se à primeira vista parece ser a morte das nossas tradições, que foram transmitidas de geração em geração, a verdade é que essa morte que tantos anseiam e agoiram, tal abutres sempre prontos a comer o que dela possa ainda restar, eis que ela renasce, pura, simples, sem pretensões, despida….
Desprovidos daquilo que somos e acreditamos parece ser mais fácil engaiolar-nos.
E esse Andaime que nos poderia levar mais alto, mais longe, torna-se o nosso aprisionamento, a nossa gaiola.
Envolvidos no nosso dia a dia, correndo de um lado para outro, atordoados pelos sons da “cidade”, tornamo-nos verdadeiras aves de capoeira, incapazes de outros voos.
Nessa correria somos por vezes atropelados por uma dor maior, a doença, a perda de alguém que amamos, a solidão, são esses momentos que nos levam ao "fundo do poço", e onde o silêncio ganha voz e grita: acorda, levanta, reage!
Somos invadidos por “sonhos” destruturados, por memórias que embora longínquas nos invadem, inquietam e questionam... tradições, lendas, contos, provérbios, canções, danças, jogos, religiosidade, brincadeiras infantis, mitos, idiomas e dialetos, adivinhações, festas e outras atividades culturais que nasceram e se desenvolveram com o povo, povoam agora os sonhos daqueles que têm memórias, lembranças, recordações.
E a tradição que muitos pensavam ter enterrado e "comido", ganha cheiro, cor, movimento, voz... e leva ao encontro e ao desenvolvimento de laços familiares e comunitários, contribuindo para o equilíbrio emocional entre as pessoas.
E assim continuará desde que seja transmitida às gerações futuras.
Andaime pretende olhar para aquilo que já fomos e que é importante voltar a ser.
Foram muitos os que ajudaram a colocar este ANDAIME "de pé".
A todos os meus sinceros agradecimentos.
Aos componentes do RFEA, obrigada principalmente pela confiança que em mim depositam, foram e continuarão a ser fonte de inspiração.
Ao Zé, pela sua presença nos diferentes momentos deste trabalho mas, principalmente, por ser um amigo-irmão-companheiro, estando presente onde eu estive ausente.
Ao Hugo pela disponibilidade, confiança e estímulo. Tenho a certeza que sem o seu talento, inteligência, e perspicácia este Andaime não chegaria tão longe e tão alto.
Ao António Ferreira, Fernando Nunes e Paulo/Carla Honório, pela disponibilidade em ajudar em questões técnicas, tais como cedência de andaimes, luz e espaço.
Dedico este trabalho à minha família (a de sangue e a de coração) que sempre acreditou e tudo fez para que eu também acreditasse que cada um pode construir o seu caminho, com respeito ao próximo, com ética e coragem para transpor todos os obstáculos.
A força para alcançar este propósito, reside em cada um. Sustenta-se principalmente na capacidade de amar incondicionalmente, na sapiência de doar e, também de receber.
0 comentários:
Enviar um comentário